Fonte: Terra Magazine, 30/04/2008.
Marianna Párraga
Caracas, Venezuela
A conhecida disputa entre Petróleos de Venezuela (PDVSA) e a norte-americana ExxonMobil revelou uma prática que existe há anos e que garantiu em segredo os interesses de muitas companhias instaladas não só na Venezuela, mas também em outros países com mudanças legislativas importantes, como é o caso da Bolívia.
Alguns dos tratados para a promoção e proteção de investimentos que os países latino-americanos assinaram com governos do primeiro mundo incluem cláusulas que constituem camisas de força para os Estados que desejem implementar mudanças, particularmente econômicas, em detrimento da saúde financeira de empresas privadas provenientes daquelas nações.
A Venezuela assinou ao longo de sua história cerca de vinte tratados de proteção de investimentos. O acordo assinado com o Reino dos Países Baixos em 1991, e que entrou em vigor em 6 de agosto de 1993 com uma duração de 15 anos, parece ser o mais restritivo de todos, ao especificar as condições sob as quais o governo venezuelano teria o direito de executar processos de nacionalização de empresas registradas tanto na Holanda como nas Antilhas.
Segundo indicou o ministro venezuelano da Energia e Petróleo, Rafael Ramírez, o que o governo venezuelano questiona não é a existência em si dos tratados, mas sim o "abuso" deles por parte de companhias nativas de outros países que registram suas subsidiárias para a Venezuela na Holanda ou Antilhas a fim de gozar dos benefícios do acordo.
Este é o caso da Mobil Cerro Negro, filial da Exxon Mobil registrada na Holanda para operar a antiga associação estratégica Cerro Negro, expropriada no ano passado pelo governo venezuelano ante a negativa da empresa de converter este negócio em uma empresa mista com maioria acionária da PDVSA. "Estamos estudando o assunto porque eles estão abusando da lei", disse Ramírez, e por isso a Venezuela expressou seu desejo de deixar sem efeito o convênio, para o qual deveria notificar sua não renovação há dois meses; ainda assim, a proteção dos investimentos holandeses existentes durará mais 15 anos.
Em dias recentes, o governo venezuelano acusou especificamente não só a Exxon Mobil, mas também a italiana Eni, com a qual acaba de assinar um importante acordo de associação em várias áreas energéticas; e a China Nacional Petroleum Corporation, estatal com a qual o governo de Hugo Chávez mantém uma estreita afinidade e um punhado de negócios em comum, sustentados em parte por um convênio de financiamento para o qual a China aportou US$ 4 bilhões este ano.
Especialistas em comércio exterior consultados por Terra Magazine disseram que estes três casos se assemelham ao da brasileira Petrobrás, que registrou sua subsidiária para a Bolívia nos Países Baixos a fim de aderir a um tratado bilateral existente.
Documento leonino
A "Lei Aprobatória do Convênio para o Estímulo e Proteção Recíproca dos Investimentos", assinado entre a República da Venezuela e o Reino dos Países Baixos antes de Chávez chegar à cadeira presidencial, estabelece que "cada parte contratante não obstaculizará mediante medidas arbitrárias ou discriminatórias a operação, administração, manutenção, utilização, desfrute ou disposição" dos investimentos pertencentes a nacionais da outra parte. Com isso o governo venezuelano fica obrigado a outorgar aos investimentos provenientes dos Países Baixos "plena segurança física e proteção, em nenhum caso inferior à outorgada aos investimentos de seus próprios nacionais".
Apesar de viver sob controle estrito de câmbio, a Venezuela, além disso, deve garantir que os pagamentos relacionados a investimentos dos Países Baixos -utilidades, dividendos, lucros correntes e fundos para comprar matérias primas, recolocar ativos, investir ou pagar direitos- possam ser transferidos "em uma moeda de livre conversão, sem restrição ou demora".
Sobre o tema das nacionalizações, o documento é enfático ao afirmar que "nenhuma das partes tomará medida alguma para expropriar ou nacionalizar os investimentos de nacionais de outra parte, nem tomará medidas que tiverem um efeito equivalente à nacionalização ou expropriação", salvo que se invoque o interesse público atido ao devido processo, sem resultar discriminatório e com "prévia justa compensação" ao valor de mercado dos investimentos e com o pagamento "sem demora" de juros a taxas comerciais.
Para concluir, o tratado estabelece em seu artigo 7º que os nacionais de uma parte que sofreram perdas em relação aos seus investimentos em território do outro em conseqüência de uma "guerra ou conflito armado, revolução, estado de emergência nacional, revolta, insurreição ou distúrbio público" receberão um tratamento não menos favorável que os nacionais da outra parte, como restituição, indenização, compensação ou acerto.
O juiz Paul Wilker, que julgou a favor da PDVSA na Corte Suprema de Justiça de Londres em março passado, afirmou em sua decisão, ainda assim, que a Exxon Mobil tinha um "caso suficientemente argumentável" sobre a ruptura unilateral do convênio de associação assinado com a PDVSA e aprovado pelo Congresso venezuelano. Também definiu as alterações no controle da Cerro Negro como uma "expropriação", um fator que poderia jogar contra a PDVSA quando nas próximas semanas ela tiver de defender sua posição diante dos tribunais holandeses, aos quais companhia petroleira norte-americana recorreu por estar protegida nos termos do tratado entre Venezuela e os Países Baixos.
Ramírez tratou de diminuir a importância do caso na Holanda, já que este por enquanto não envolve o congelamento de ativos da magnitude do que aconteceu no Reino Unido. No entanto, a Venezuela terá desta vez elementos insuficientes para sua defesa, por ser signatária de um tratado com a Holanda nos termos do qual regulariza as condições de uma nacionalização, e que não foi cumprido pelo governo em praticamente todos os artigos referentes a processos expropriatórios.
Além disso, a PDVSA tem ativos nas Antilhas, especificamente em Curaçao e Bonaire, e por isso a falta de jurisdição que constituiu um fator decisivo na Inglaterra não poderá ser utilizada novamente pelos advogados como a base da defesa.