Para PGR a demarcação da Raposa Serra do Sol é regular

Ffonte: Procuradoria Geral da República.

29/04/2008 10h45

Vice-procurador diz que o risco à soberania nacional, se houver, tem de ser eliminado sem sacrificar o direito dos índios.

A demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol é plenamente regular. A opinião é do vice-procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que fez um parecer (PET 3388), aprovado pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, para responder a uma ação popular ajuizada pelo senador Augusto Botelho (PT-RR). O senador pediu, liminarmente, a suspensão de portaria do Ministério da Justiça, homologada por decreto do presidente da República, que estabeleceu a demarcação, e, em definitivo, a decretação da nulidade dos atos. O pedido de liminar já foi negado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).

Roberto Gurgel concluiu que todas as fases que resultaram na demarcação e homologação da Raposa Serra do Sol respeitaram os procedimentos exigidos pela legislação e seguiram consistente estudo antropológico. Além disso, o vice-procurador afirmou que se a demarcação causar risco à soberania nacional, este tem de ser eliminado por outros mecanismos, sem sacrifício do direito dos povos índigenas.

O vice-procurador-geral destacou no parecer que a demarcação da Raposa Serra do Sol obedece à legislação que trata do assunto, os Decretos nº 22/91 e 1.775/96, que exigem as seguintes fases: estudo multidisciplinar conduzido por antropólogo; designação de grupo técnico especializado com a finalidade de realizar estudos complementares; encaminhamento do resultado do trabalho ao presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), que o publicará, se aprovado, no Diário Oficial da União e no estado onde se localizar a área demarcada; abertura de prazo para impugnações, desde o início do procedimento demarcatório até 90 dias após a publicação; e remessa do processo ao ministro da Justiça, que poderá declarar, por portaria, os limites da terra indígena, indicar as diligências que julgar necessárias ou desaprovar a identificação.

Para o vice-procurador-geral, a Constituição Federal de 1988 reconhece a necessidade e aspiração dos povos indígenas de assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e manter e fortalecer a sua cultura. Ele completa que a posse a ser garantida aos indígenas “há de ser aquela voltada ao seu sustento e indispensável à preservação de sua identidade cultural, devendo abranger todo o espaço físico necessário para tanto”.

Posse das terras - Roberto Gurgel cita estudo feito pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, que trata dos temas relativos aos índios e outras minorias: “A nacionalidade brasileira se forma a partir de grupos étnicos diferenciados, grupos com histórias e tradições diversas, cabendo ao Estado protegê-los e garantir espaço e permanência para essa diferenciação”. Por essa razão, citando o professor José Afonso da Silva, o vice-procurador diz que a posse indígena é diferente da posse estipulada pelo direito civil, para o qual importa somente o espaço de fato ocupado e explorado. “A posse das terras indígenas extrapola da órbita puramente privada, porque não é e nunca foi simples ocupação da terra para explorá-la, mas base de seu habitat, no sentido ecológico da interação do conjunto de elementos naturais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida humana'.

Gurgel explica que a posse indígena deve prevalecer sobre qualquer outra, “porque é essencial ao exercício da identidade do grupo, cabendo à União protegê-la e fazer respeitar todos os seus bens, assegurando-se ainda aos índios o usufruto exclusivo das riquezas ali existentes. A proteção, nesse nível, é efetivada por meio do ato demarcatório de competência do ministro da Justiça, que será homologado, em seguida, por decreto do presidente da República”. Gurgel menciona, também, que o direito dos índios à posse das terras é muito anterior a de qualquer outro grupo, “sendo oportuno advertir que a demarcação de terra indígena é mero reconhecimento do que há muito está garantido”.

O vice-procurador-geral aponta que as demarcações de terras indígenas em faixa de fronteira são feitas há muito tempo. Ele cita como exemplo a área dos índios yanomami, “toda ela em faixa de fronteira, em território de dez milhões de hectares, objeto de portaria declaratória firmada, no início da década de 90, pelo então ministro da Justiça Jarbas Passarinho”. Gurgel cita, ainda, que o atual ministro da Defesa, Nelson Jobim, chegou a fazer um despacho, em 1996, sobre a demarcação da Raposa Serra do Sol, quando, “na condição de ministro da Justiça, afirmou que a localização de áreas indígenas em faixa de fronteira não inviabiliza o seu reconhecimento como tal”.

Sobre a defesa das fronteiras, feita por meio do Projeto Calha Norte, Gurgel responde que ela é de ocupação humana. “Se a demarcação de áreas indígenas é vista como ameaça às nossas fronteiras, das duas, uma: ou se recusa aos índios a condição de humanos, ou se tem por incapazes para os fins daquele projeto, conclusões, no mínimo, inadequadas”. O vice-procurador complementa que o território reconhecido como índigena, por ser bem da União, coforme previsto no artigo 20, inciso XI, da Constituição Federal, faz parte do território nacional. Por isso, as autoridades responsáveis pela segurança nacional podem atuar no interior da área demarcada, o que é permitido pelo Decreto nº 4.412/2002. Além disso, argumenta, verificada a inexistência de proibição à demarcação de terra indígena em faixa de fronteira, não há justificativa para a manifestão do Conselho de Defesa Nacional, posição confirmada pelo Plenário do STF, ao julgar um mandado de segurança: “A manifestação do Conselho de Defesa Nacional não é requisito de validade da demarcação de terras indígenas, mesmo daquelas situadas em região de fronteiras”.

Fiscalização - Roberto Gurgel observa que se houver risco de abalo à soberania nacional, este tem que ser eliminado “se for o caso, por mecanismos outros de proteção, sem sacrifício do direito dos povos indígenas”. O mesmo raciocínio, segue o vice-procurador, aplica-se à questão da possibilidade de pressões externas crescentes na área, rica em recursos naturais, e de desvio de finalidade de organizações não-governamentais que lá atuam. “É preciso fiscalizá-las de forma ativa e com maior firmeza e constância, sem dúvida, o que não elide, todavia, a necessidade de demarcação e o direito dos povos indígenas”.

Gurgel conclui o parecer dizendo que não há ofensa ao equilíbrio federativo e à autonomia de Roraima, pois a área indígena Raposa Serra do Sol “representa pouco mais de 7% do território daquele estado, que, desde a sua criação, conta com a presença de numerosos grupos indígenas, sendo a população em questão ali residente a terceira maior do país, só perdendo para aquelas localizadas nos estados do Amazonas e Mato Grosso. A existência de tal população, aliás, terá sido um dos fatores determinantes da criação do novo estado”.

O parecer foi enviado ao STF, onde será analisado pelo ministro Carlos Britto, relator da petição.

Íntegra do parecer

Parecer_PGR_Pet_3388.pdf

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